O INFERNO É AQUI


Rubens Nóbrega
O texto a seguir é o desabafo da revolta mais justa de uma cidadã paraibana.
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Segunda-feira (21), levei meu pai, Everardo Ponce Leon, 77 anos, sequelado de AVC isquêmico, à UPA do Retão de Manaíra (João Pessoa). Ele havia retirado a sonda naso-enteral por volta de cinco da tarde. Chegamos exatamente durante a troca de plantão e logo fomos avisados que seríamos encaminhados para o Edson Ramalho, mas, temendo que esse procedimento não fosse realizado, tratei de me garantir.
Pedi à Assistente Social que me atendeu um encaminhamento por escrito. Ela negou, mas se dispôs a telefonar para o Edson avisando que iríamos. Quando conseguiu contato, o hospital informou que não mais fazia o procedimento. Ou seja, se não tivesse insistido, seria mandada embora pela segunda vez sem resolutividade.
A Assistente Social ligou então para o Ortotrauma de Mangabeira, que não atendeu à ligação. Apesar disso, ela insistiu que fôssemos pro Trauminha. Fomos. Lá, na nossa frente chegou outro idoso com uma sonda naso-enteral saindo pela boca. O maqueiro o colocou numa cadeira de rodas e o posicionou no saguão do hospital para aguardar "acolhimento". Quando fomos descer papai do carro, o maqueiro falou que não havia mais cadeiras de rodas nem macas. Todas ocupadas. Aconselhou-me falar com a Enfermeira do Acolhimento, que ela atenderia meu pai no carro mesmo.
A enfermeira veio até o carro, mas, quando soube que era para colocar a sonda naso-enteral, foi falar com o médico de plantão (único para um hospital inteiro lotado, segundo relato dos seguranças). Voltou para dizer que não poderia colocar a sonda (também não retiraram a sonda que saia pela boca do outro idoso, causando-lhe extremo desconforto). Não aceitei. Ela reentrou no hospital, dessa vez para falar com o Plantão Administrativo. Retornou minutos depois para repetir que nada seria feito.
Pedi para falar com o tal Plantão Administrativo, pelo qual respondia uma médica que se mostrou irredutível. Diante de minha reação indignada à negativa dela, um médico que ouvia a discussão aproximou-se e sugeriu: "Vamos fazer só esse. É melhor!". Ela retrucou: "Não vou levar uma advertência! Aqui não vai fazer". Enquanto isso, meu pai, sentado no carro, já esperava há mais de uma hora por atendimento.
Depois de muito bater boca, resolvemos voltar para a UPA, por recomendação da própria médica do Trauminha. No caminho, papai começou a passar mal, vomitou... Quando chegamos, os maqueiros puseram o outro idoso (que foi de táxi junto com seu filho e uma amiga!) única cadeira de rodas disponível. Meu pai ficou sem.
Voltei à Assistente Social da UPA. Ela mandou o maqueiro colocar papai em uma maca e levá-lo para um leito na unidade; enquanto isso, o outro idoso continuava engasgado com aquele corpo estranho na garganta e ninguém fazia nada! Aí, comecei a pedir não só pelo meu pai, mas também por ele. Finalmente, veio uma enfermeira avaliar o procedimento. Quando viu, disse: "Eita, é sonda enteral!?! Aqui não tem!".
O quê? P... m...! Viemos de um hospital que tinha a sonda e não quis colocá-la e estamos na UPA que agora pode fazer e não tem material? A Assistente Social me perguntou: "Você tem essa sonda? Pode ir buscar num hospital? Pode comprar?". Meu Deus do céu!
Àquela hora da noite, onde comprar uma sonda? Não seria mais fácil o próprio serviço articular com outro que tivesse e requisitar? E o outro paciente com o mesmo problema? Eu teria de comprar a dele também?
Liguei para minha irmã. Felizmente, ela havia comprado há pouco tempo duas sondas. Ainda tinha uma em casa. Levou até a UPA! “Ufa! Graças ao Bom Deus, enfim uma sonda!”, pensei. Só que nenhum dos três enfermeiros que tentou conseguiu colocar a sonda. Ficavam colocando e tirando do nariz de papai. O pobre de papai, coitado, mais parecia uma cobaia. Será que eles nunca haviam feito aquilo? Depois fizeram raios x e viram que a sonda estava no pulmão, logo não poderia ser feita a alimentação.
Chegou uma quarta enfermeira para colocar a sonda. Não deixei! Quantos tentariam? Chega de tortura! Nesse exato momento, a Assistente Social aparece com uma sonda enteral para o outro idoso. Justificou: é material de alto custo! Já não aguentando mais, resolvi levar papai a um hospital particular! É certo que pagar por um atendimento que de fato já foi pago? Nós pagamos impostos! Prefeitura e Estado recebem milhões de reais para a saúde pública e é este o atendimento que nos prestam? Aliás, não deveria nem usar a palavra “presta”, porque simplesmente não presta.
A Assistente Social da UPA ainda me disse: “Fique aqui, é melhor. Esse procedimento é caro, amanhã tem duas enfermeiras excelentes (as que estavam lá não eram?), elas colocam”. Como? Esperar até o dia seguinte? Não. Pedi ‘alta’ para levar papai embora dali, onde a única coisa feita foi glicemia capilar. Ainda pedi para deixarem o acesso venoso no braço de papai, que instalaram quando eu estava assinando a "alta a pedido". Não deixaram.
Há aproximadamente oito meses, quando meu pai sofreu o AVC e peregrinei por hospitais, indaguei: “Que Paraíba é essa?”. Hoje, peço a Deus: “Senhor, tende piedade de nós!”. Estou exausta, desiludida, inconformada... É revoltante! Meu Deus, meu Deus, que vida de cão! Ter e não ter! A UPA é linda, com aparelhos novos, tecnologia de ponta, de fazer inveja a qualquer hospital particular. Mas, adianta ter e não poder usar? Que socialismo é esse que cuida de coisas e esquece as pessoas? Eu só queria meu pai em casa, com a sua sonda posicionada. É pedir muito, se peço apenas o que é um direito dele e uma obrigação dos serviços públicos de saúde aos quais recorremos?
Íris Ponce Leon.

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