RICARDO RESISTIRIA A UM RECALL?


Rubens Nóbrega
Quando a gente ouve falar em recall, lembra logo daqueles avisos que fabricantes de automóveis, sobretudo esses, divulgam na mídia chamando seus clientes para conserto ou troca de peças com defeito. Mas existe também o recall para o eleitor e pode ser usado pra consertar ou trocar governante que apresentou defeito após a eleição.
A má notícia é que instrumento assim tão valioso de controle popular dos mandatos eletivos ainda não foi instituído no Brasil, apesar de muita gente boa vir tentando e propondo há muito tempo o recall, através de mudança em nossa Constituição ou mediante uma reforma política digna desse nome. Quer ver?...
Em 2003, o saudoso e respeitadíssimo senador amazonense Jefferson Perez, em parceria com o capixaba Antônio Carlos Valadares, apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (Pec) para introduzir na legislação brasileira o direito de o eleitor revogar mandatos através da consulta pública conhecida como recall.
Dois anos depois, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também apresentou uma Pec que prevê a destituição de poderosos ruins ou maus por meio de referendo popular. Em 2007, por inspiração do presidente Lula, o Planalto ensaiou um projeto de reforma política que acolhia a instituição do recall como uma de suas principais novidades.
Como é lá fora
Nada daquilo foi adiante, mas acredito que ainda nesta vida vou estar positivo e operante para ver o recall valendo no Brasil, assim como vale na Suíça e em 18 estados norte-americanos, onde serve inclusive para derrubar decisões judiciais ou matérias aprovadas pelo Legislativo que lesionem direitos consolidados dos cidadãos.
É uma maravilha, não? E já pensou se a gente dispusesse do recall na Paraíba, atualmente? Com toda certeza a ferramenta seria usada por forças sociais e políticas decepcionadas, contrariadas e indignadas com o rançoso e arrogante modo ditatorial, absolutista ou bonapartista de Ricardo Coutinho governar (?) o Estado.
Poderia acontecer com ele o que aconteceu há dez anos com o então governador Gray Davis, da Califórnia (Estados Unidos), submetido a um recall que o tirou do poder e ao mesmo tempo elegeu para substituí-lo ninguém menos que o ator Arnold Schwarzenegger. Gray caiu porque se mostrou inoperante e incompetente para gerir o Estado norte-americano que isoladamente é a quinta economia do mundo.
Se fosse aplicado aqui o modelo californiano, uma petição popular com mais de um milhão de assinaturas nos mandaria de volta às urnas para votar, primeiro, pela saída ou permanência do governador. Pela regra, Ricardo só perderia o mandato se metade mais um dos eleitores dissessem ‘sim’ ao recall. Diante de um resultado desfavorável ao monarca, ato contínuo aconteceria a eleição do substituto.
Golpe coisa nenhuma!
Aposto como ninguém, mas ninguém mesmo, abriria a boca para dizer que um processo como esse seja golpe. Nada mais democrático do que o eleitor poder cassar quem lhe trai ou maltrata. E tenho a mais absoluta certeza de que, neste momento, milhares de paraibanos adorariam dispor de um instituto como o recall para mostrar ao governador que a ele não foi conferido qualquer poder ou direito de se colocar acima da lei e das pessoas.
Estou seguro de que, no presente, Ricardo Coutinho é motivo de arrependimento da maioria dentro da própria maioria que o elegeu. Quer ver outra coisa? Tenho fundados motivos para acreditar que hoje ele se sairia tremendamente mal se fosse feita uma pesquisa de opinião séria com apenas duas perguntas: 1) Você votou em Ricardo?; 2) Está arrependido(a)?
Por essas e outras, jamais desejei tão ardentemente, como desejo agora, viver onde a lei me permita o direito de revogar o mandato de quem o conquistou graças ao dom de iludir. Seria o ouro viver onde a gente possa apear do poder quem chega lá por equívoco do eleitorado e no exercício do mandato revela-se incapaz ou indigno de continuar governando.
Não pensem alguns apressados ou pretensamente ofendidos que trato desse tempo por oportunismo ou problema pessoal com Sua Majestade. Quem acompanha o trabalho deste colunista há dez anos, pelo menos, sabe que já cuidei desse assunto em outras oportunidades. Mas nunca antes me senti tão estimulado a ressaltar a importância do recall para o aperfeiçoamento da nossa democracia representativa. E lhes digo que se antes defendia o recall por princípio, agora o faço por comprovada necessidade.
Pra sair cantando
Se você teve paciência de ler esta coluna até aqui, para relaxar sugiro cantarolar os versos mais sugestivos de ‘Apesar de você’, de Chico Buarque. Perfeitos para depois de leituras de artigos como este. Quer ver? Cante comigo:
- Apesar de vocêAmanhã há de ser outro diaEu pergunto a você onde vai se esconderDa enorme euforia?Como vai proibirQuando o galo insistir em cantar?Água nova brotandoE a gente se amando sem parar...

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