MORADOR DE VILA RICA ENTRA NA UNIVERSIDADE E CRIA CURSO GRATUITO NA COMUNIDADE

Morador de Vila Rica entra na universidade e cria curso gratuito na comunidade
Na escola em que Alesson Santana, 23, estudou, é comum a gestora adiantar o horário da merenda para alguns, para que não passem mal de fome. Muitos alunos são muito pobres. Filho de empregada doméstica e trabalhador da construção civil, ele também viveu em desvantagem. Mesmo assim, ingressou no Ensino Superior e hoje é capaz de calcular a estruturação de suporte de pontes e arranha-céus. Percebeu que podia ajudar outros alunos a chegar onde chegou. Criou um curso pré-vestibular gratuito para os moradores da comunidade Vila Rica, em Jaboatão dos Guararapes.
Em abril do ano passado, Vitória Jennifer, estudante do terceiro ano da Escola de Referência em Ensino Médio Vila Rica, procurou Alesson para que a ensinasse as disciplinas de exatas como um reforço. Afinal, ele tinha conseguido nota suficiente no Enem para entrar em cursos de engenharia na UFPE e de matemática na UFRPE. Alesson não só decidiu ajudar Vitória, como juntou dois outros professores para suprir a falta de cursos voltados para o Enem na região. A aluna Vitória já está cursando o primeiro período de Filosofia na UFPE e já se prepara para ensinar voluntariamente no pré-vestibular iniciado por Alesson.
“Eu me distraía muito estudando só. É muito diferente ter um professor orientando você, dizendo que assuntos caem mais, quais valem mais pontos. Passando as atividades para que eu estudasse em casa, quando não estivesse na aula”, conta Vitória, hoje com 17 anos. Ela não tinha condições financeiras para cursar um pré-vestibular privado. Então ia às aulas sete dias por semana. De segunda à sexta, nas aula regulares do Escola Estadual. No sábado e no domingo, no pré-vestibular Objetivo, como foi batizado o projeto de Alesson.
“A gente se surpreende com a nossa capacidade de aprender. É um contexto que faz com que você queira aprender pelo próprio conhecimento, para saber mais e ensinar os outros as coisas que se aprende, também”, contou Vitória. Sara Peçanha foi uma das professoras que aceitaram participar voluntariamente do Objetivo. E concorda com Vitória. “Quando eu digo que sou de Vila Rica e estou cursando o oitavo período de Química na UFRPE, os alunos ficam impressionados. Como se fosse algo extraordinário. E então percebem que eles, também, podem cursar uma universidade.”
Pedro Henrique, que ensina História para os alunos, percebe o esforço de quem vem aos fins de semana aprender. “Aqui é bem mais difícil encontrar conversas paralelas ou pessoas desinteressadas na aula. Não tem nada que os obrigue a estar aqui. Estão porque querem evoluir”, conta. “Em termos de assuidade, a questão é contrária aos cursos pagos ou às aulas regulares. Lá, eles não faltam, porque são obrigados ou porque estão pagando. Aqui, faltam porque precisam trabalhar ou ajudar os pais nas bancas da feira, ou cuidar dos irmãos enquanto os pais trabalham.”
Pedro e Sara, ambos moradores de Vila Rica, deram o pontapé inicial do curso com Alesson, mas, hoje, já são 11 pessoas dando aulas voluntariamente. Também foram 11 os estudantes que ingressaram na universidade após o primeiro ano de curso. “Jaboatão não tem um curso voltado para o Enem que não seja privado. E as pessoas daqui são carentes, não têm condições de pagar. Nosso curso tenta dar a eles as mesmas chances que os alunos com melhores condições financeiras têm de entrar na universidade”, contou Alesson. “Alunos de todas as escolas próximas participam das aulas.”
O professor fundador passou dois anos estudando sozinho e com ajuda de amigos, como o próprio Pedro, para passar no vestibular. “Antes, já era difícil, porque não tinha dinheiro para ter computador ou um celular que pudesse me manter informado, como os outros. “Quando passou, não começou a cursar a universidade, porque as graduações eram integrais e ele não podia perder o salário que recebe da aeronáutica desde que se alistou. “Consegui fazer engenharia civil na FBV com o Prouni e conciliar as duas coisas. Neste ano, passei em medicina pela Federal de Alagoas, mas não pude cursar pelo mesmo motivo. Não teria condições financeiras para isso.”
O projeto acontece porque foi abraçado pela gestora da escola, Márcia Oliveira. Ela oferece o espaço e o material que há no local para que os professores mantenham o curso. “Todos eles têm um comprometimento incrível. E o trabalho deles faz muita diferença para a comunidade. Muitos tem dificuldades financeiras. Já dei sapatos da minha filha para que viessem às aulas, presto atenção na dificuldade que têm de se alimentar, também. Tem professores voluntários que são muito pobres também, mas que estão doando seu tempo.”
Fonte: Folha PE
Foto: Julya Caminha

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