Regularizar passivo ambiental e proteger vegetação nativa, desafio para o Plenário do Senado
O
projeto de novo Código Florestal (PLC 130/11) que chega ao Plenário do
Senado tem o propósito de conciliar a regularização do passivo ambiental
com regras capazes de proteger as florestas, freando o desmatamento e
incentivando a recuperação da vegetação. É com esse discurso que os
relatores do texto, senadores Jorge Viana (PT-AC) e Luiz Henrique
(PMDB-SC), têm defendido o substitutivo que deve ser votado em Plenário
na próxima semana. O projeto tem sido objeto de intensa polêmica e
mobilização, pois traça os limites entre preservação do meio ambiente e
as diversas atividades econômicas, tanto no campo quanto na cidade.
No
centro dos acertos com o passado - o chamado passivo ambiental - estão
produtores rurais que ocuparam Áreas de Preservação Permanente (APPs) e
áreas de Reserva Legal (RL). Integram esse grupo antigos ocupantes que
derrubaram matas seguindo leis da época e acabaram ilegais pelas regras
de hoje. Mas também estão fazendeiros que expandiram suas lavouras já na
vigência das normas de proteção florestal. Também estão em situação
irregular pequenos produtores, empurrados pela concentração fundiária
para áreas acidentadas, e ribeirinhos, reconhecidos por utilizar as
margens dos rios de forma sustentável.
Ao
longo dos 46 anos de vigência do atual Código Florestal (Lei
4.771/1965), considerado pelos ambientalistas o guardião da vegetação
nativa do país, esses produtores acumularam problemas com órgãos
ambientais, além de multas e, mais recentemente, dificuldades em acessar
políticas de crédito. No mesmo período, o desmatamento aumentou,
chegando a um passivo de 50 milhões de hectares e demonstrando a
ineficiência dos mecanismos de comando e controle.
O
texto aprovado na Câmara, do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), hoje
ministro do Esporte, gerou pesadas críticas e forte oposição dos
ambientalistas, por ter mais foco nos interesses dos ruralistas e de
outros setores da economia do que na efetiva proteção dos recursos
florestais e dos diversos biomas do país. Em seis meses de tramitação no
Senado, o projeto teve alterações e, entre elas, está a separação da
nova lei em disposições transitórias, com regras para a regularização
das áreas desmatadas, e em normas permanentes, para proteção das
florestas existentes.
Disposições transitórias
Matas ciliares
Como
previsto no texto que veio da Câmara, foi mantida a data de 22 de julho
de 2008 como o limite para regularização de atividades
agrossilvopastoris, de ecoturismo e de turismo rural em APP, chamadas de
"áreas consolidadas". Mas Luiz Henrique e Jorge Viana explicitaram
condições para essa regularização. Para todas as propriedades, fica a
obrigação de, dentre a área total a ser considerada consolidada,
recuperar os 15 metros de mata nas margens de rios com até 10 metros de
largura.
Para
imóveis rurais que detinham, em 2008, área de até quatro módulos
fiscais, e para rios com mais de dez metros de largura, será exigida a
recomposição de faixas de matas correspondentes à metade da largura do
rio, observado o mínimo de 30 metros e o máximo de 100 metros. Mas a
exigência de recomposição de mata ciliar não poderá ultrapassar o limite
da reserva legal estabelecida para o imóvel.
Para
imóveis que detinham, na mesma data, área entre quatro e quinze módulos
fiscais, a recomposição obrigatória será definida nos Programas de
Regularização Ambiental (PRA), ouvidos os conselhos estaduais de meio
ambiente. União, estados e o Distrito Federal terão um ano, a partir da
publicação da nova lei, prorrogável por igual período, para implantarem
os programas.
Encostas e manguezais
Ainda
nas regras transitórias para APPs, foram incluídas regras específicas
para terras de inclinação entre 25º e 45º, nas quais serão admitidas
atividades consolidadas. Essas atividades também serão autorizadas em
apicuns e salgados, biomas que integram os manguezais nos quais são
produzidos camarão e sal. Serão ainda regularizadas as ocupações no
entorno de nascentes, sendo obrigatório manter vegetação num raio mínimo
de 30 metros.
Para
propriedades que tenha desmatado área de reserva legal, foram definidas
as opções para regularização, como a regeneração natural ou a
compensação em outra propriedade. Em qualquer das possibilidades, será
obrigatória a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
As
propriedades de até quatro módulos fiscais ficarão dispensadas de
recompor a reserva legal, podendo regularizar a propriedade com o
montante de mata nativa existente em 2008. Também não será exigida a
recuperação de reserva legal para aqueles que desmataram seguindo lei da
época.
Disposições permanentes
De
acordo com o substitutivo, a nova lei terá como fundamento "a proteção e
uso sustentáveis das florestas e demais formas de vegetação nativa em
harmonia com a promoção do desenvolvimento econômico", além de oito
princípios para nortear sua aplicação.
O texto
lista atividades de utilidade pública, interesse social e baixo impacto
ambiental, para caracterizar as únicas situações passíveis de
autorização de desmatamentos em APPs, além das previstas na lei. O
substitutivo também incluiu os conceitos de "área abandonada", "área
verde urbana", "faixa de passagem de inundação" e "áreas úmidas", os
quais passam a ser utilizados para o estabelecimento de regras de
proteção ambiental ao longo do texto.
Ao longo
de 58 artigos de normas permanentes, os relatores buscaram definir
regras para colocar em prática o fundamento da lei, conforme resumido a
seguir:
Área de preservação permanente:
A delimitação de APP adotada no projeto segue em grande parte a lei em
vigor. Em relação ao projeto aprovado na Câmara, foram incluídos os
manguezais como áreas protegidas e também as faixas marginais de
veredas.
O texto também admite, para pequena
propriedade ou posse rural familiar, o plantio temporário em terra
exporta na vazante dos rios, desde que não impliquem novos
desmatamentos. Admite ainda, em área de mata ciliar e para propriedades
com até 15 módulos fiscais, a prática da aquicultura.
Reserva legal:
os relatores mantiveram os percentuais mínimos obrigatórios previstos
no Código Florestal em vigor, mas flexibilizaram algumas regras. Quem
desmatou a partir de 2008 terá cinco anos para recompor a vegetação.
Nessa área será permitido o aproveitamento da madeira e de frutos e
sementes, com base no manejo sustentável.
O
projeto flexibiliza as regras para estados localizados na Amazônia
Legal. Nesses casos, a reserva legal poderá ser reduzida a 50% da área
da propriedade, quando mais de 65% do território do estado estiver
ocupado por áreas públicas protegidas.
O
substitutivo também abre a possibilidade de redução da reserva com base
no Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e fixa em cinco anos o prazo
para que os estados aprovem o instrumento, seguindo metodologia
unificada.
Cadastro ambiental: a
proposta em análise determina a criação do Cadastro Ambiental Rural
(CAR) e estabelece o prazo de um ano, prorrogável uma única vez por
igual período, para que os donos de terras registrem suas propriedades
nesse cadastro. Os dados do CAR serão disponibilizados na internet e
servirão para a elaboração dos Programas de Regularização Ambiental.
Incentivos econômicos:
foi incluído capítulo específico tratando de incentivos econômicos e
financeiros para preservação e recuperação de áreas florestadas. São
sugeridos, por exemplo, mecanismos para remuneração por serviços
ambientais - pagamento ao agricultor que preserva matas nativas,
responsáveis pela conservação dos recursos hídricos e dos solos,
conservação da beleza cênica natural e a conservação da biodiversidade,
entre outros.
Para incentivar aqueles que cumpriram a legislação ambiental, o substitutivo estabelece o critério da progressividade, por meio do qual terão prioridade no acesso a recursos e credito.
Também
foi incluída a possibilidade de o governo federal implantar programas
de conversão de multas para todas as propriedades. Para financiar a
recomposição ou premiar a preservação, foram sugeridas como fontes de
recursos porcentagem da arrecadação de cobrança pelo uso da água ou da
arrecadação com o fornecimento de energia elétrica.
Cidades:
em artigo específico são previstas regras para proteção de áreas verdes
nas cidades, prevendo, entre outras medidas, que sejam mantidos pelo
menos 20 metros quadrados de área verde por habitante em novas expansões
urbanas.
Também concede poder aos conselhos estaduais do Meio Ambiente para definir as faixas mínimas de mata ciliar em rios que cortam as cidades, conforme a área de passagem de inundação.
Agricultura familiar: o projeto dá tratamento diferente para a agricultura familiar,
em capítulo que reúne regras que levam em consideração a situação
peculiar desse segmento. Os agricultores familiares poderão, por
exemplo, contar com autorização para manter atividades de baixo impacto
ambiental em área protegida, dispor de regras simplificadas para
inscrição no Cadastro Ambiental Rural e até mesmo para o licenciamento
ambiental de Planos de Manejo Florestal, entre outros benefícios.
Reciprocidade:
os relatores incluíram no projeto artigo prevendo autorização para que
sejam adotadas, pela Câmara de Comércio Exterior (Camex), medidas de restrição às importações de produtos de origem agropecuária ou florestal produzidos em países que não observem normas de proteção ambiental.
Polêmicas
O
substitutivo que chega ao Plenário foi fruto de entendimento entre o
governo e os ruralistas e conta com o apoio da maioria dos senadores nas
comissões por onde tramitou. No entanto, alguns pontos poderão ainda
ser modificados. Um deles diz respeito à regularização de atividades em
apicuns, parte dos manguezais onde é realizada a produção de camarão.
Senadores do Nordeste querem retirar o bioma da condição de APP.
Também
há questionamento sobre emenda incluída no texto, a qual estabelece
que, em bacias hidrográficas consideradas críticas, a consolidação de
atividades rurais dependerá do aval do comitê de bacia hidrográfica
competente ou dos conselhos estaduais do meio ambiente.
O
substitutivo foi enviado nesta sexta-feira (25) à Mesa do Senado, com
pedido de urgência para votação em Plenário, e deverá ser votado na
próxima semana.
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