Dólar tem queda de 4,5% na semana após eleição de Lula: o que explica o movimento e até onde a moeda pode ir?


Menor risco político, sinalizações ao mercado e melhor condução ambiental são algumas das justificativas apresentadas para o fortalecimento do real


O dólar, nessa semana agitada pós-eleição, teve forte recuo frente ao real. Até a quinta-feira (3), apesar de a moeda americana disparar frente a maioria das divisas do mundo – com o DXY (índice que mede a força da moeda americana frente a outras divisas de países desenvolvidos) avançando 1,47%, impulsionado pela movimentação do Federal Reserve de quarta – ela subiu apenas 0,14% frente à divisa brasileira, a R$ 5,125.

Já nesta sexta, houve uma nova baixa do dólar, de 1,24% na sessão, a R$ 5,061 na compra e R$ 5,062 na venda, desta vez mais guiado pelo exterior, diante de expectativas de que a China relaxe medidas de combate à Covid-19, enquanto investidores repercutiam os dados de emprego dos EUA. Assim, no acumulado da semana, a moeda americana recuou 4,5%.

Porém, a político seguiu sendo destaque no período.  Apenas na segunda-feira, a moeda americana caiu 2,54% e surpreendeu parte do mercado. O esperado era que a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) geraria um fluxo de saída de capital, pelo menos em um primeiro momento, na sessão pós-eleição. O petista sempre foi visto como alguém que tem uma política fiscal mais expansiva e uma política econômica mais heterodoxa, o que tende a aumentar o chamado risco Brasil.

Projeção da BGC Liquide

Aparentemente, porém, há motivos para contestar essa ideia.

O próprio fim da incerteza quanto ao futuro político do Brasil, com o próximo presidente definido, tende a trazer fluxo de capital. Investidores, agora, sabem, ao menos num primeiro momento, o que devem esperar do país nos próximos anos.

Ainda que o partido do presidente eleito tenha implementado no passado algumas políticas vistas como negativas pelo mercado, Lula traz consigo, também, alguns fatores considerados positivos pelo investidor estrangeiro. Apenas no dia 31, o primeiro após a eleição, o fluxo de capital proveniente do exterior foi de R$ 1,9 bilhão.

“Lula é muito bem visto pelos investidores estrangeiros em termos de articulação política. Ele já disse, também, que fará um um governo não só para o PT, mas para todos os partidos”, diz Alex Martins, analista da Nova Futura Investimentos.

O petista vem sinalizando, então, que irá governar pelo centro e que não adotará políticas econômicas radicais. Apesar de defender certa intervenção na Petrobras (PETR3;PETR4) e falar de fim do teto de gastos, ele já mencionou, em campanha, que colocará outra âncora para o tanto que o governo irá gastar durante seu mandato.

Além disso, os boatos seguem fortes de que ele irá convidar um nome “pró-mercado” para o seu ministério da Economia. Nesta quinta, circularam diversas notícias de que Henrique Meirelles poderia vir a assumir o posto – o que foi bem aceito por investidores e ajudou a melhorar a performance dos ativos brasileiros no dia, apesar de terem sido negadas posteriormente.

O especialista da Nova Futura explica também que Lula deve passar uma imagem de mais segurança sobre a relação do Executivo com o Legislativo e o Judiciário.

O atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), sempre teve atritos com outros poderes – o que aumenta o chamado “risco político”, uma das variáveis que pesa sobre o risco Brasil.

Menor risco político e ESG

“Quando há atrito entre poderes, o investidor estrangeiro se mantém distante, porque tem dificuldades em analisar o investimento”, diz Martins. “No governo Bolsonaro, era mais difícil prever essa relação. Quando a gente tem expectativa de que esses riscos vão diminuir, isso também se inverte. Havia muito investimento represado por conta dos ruídos”.

Tudo isso, de acordo com ele, permite o estrangeiro fazer uma análise do Brasil “de cima a baixo”.

Ainda neste sentido, Dan Kawa, gestor da TAG Investimentos, fala que, recentemente, investidores vinham precificando na moeda brasileira a chance de um colapso institucional.

“Me surpreendi com a movimentação do real. A explicação parcial que vejo para ela é que podia ter gente usando o câmbio para o hedge de catástrofe. Existia um medo, principalmente pelos estrangeiros, de que o Bolsonaro poderia não aceitar o resultado das eleições, não entregar o cargo”, destaca o gestor. “Tanto políticos locais quanto internacionais sinalizaram que não há espaço para isso”.

Os protestos bolsonaristas, que pediam uma intervenção federal e que vinham acontecendo desde domingo, foram perdendo força com o passar do tempo. Isso também diminui o risco político. Em boletim na noite de quinta-feira, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) informou que todos os bloqueios de rodovias decorrentes de protestos de manifestantes bolsonaristas contra resultado da eleição presidencial tinham sido desfeitos, e restavam apenas pontos de interdição parcial do fluxo de veículos em estradas do país.

Luiz Eduardo Portella, sócio e gestor da Novus Capital, traz outro ponto que pode ter influenciado na dinâmica entre dólar e real: a questão ESG (Governança ambiental, social e corporativa, na sigla em inglês).

Bolsonaro, durante seu mandato, teve vários atritos nesta frente, principalmente na questão ambiental. Entre outras coisas, o desmatamento da Amazônia aumentou e, em determinado momento, o ex-ministro do Meio Ambiente foi gravado falando que o governo tinha de aproveitar o fato de a atenção estar na pandemia para desmatar e “passar a boiada”.

“O investidor estrangeiro sempre mostrou preferência pelo Lula em termos ambientais e de comércio exterior”, diz Portella.

Felipe Cima, da Manchester Investimentos, corrobora com a visão.

“Havia muitos fundos impedidos de comprar Brasil por conta de restrições impostas pelo ESG”, expõe o especialista da Manchester.

O Nordea, banco e grupo financeiro finlandês, por exemplo, retirou nesta quinta-feira o veto ambiental a bonds do Brasil, principalmente por conta da eleição. Um dos principais gestores do AkademikerPension, fundo de pensão dinamarquês, falou que agora ficará de olho em investimentos no Brasil e que o país, até antes da eleição, era visto como um “pária internacional”.

Brasil está melhor do que pares e “fez lição de casa”

Fora as questões políticas, o Brasil, recentemente, vem despertando o interesse de investidores estrangeiros .

“Quando a gente considera os mercados emergentes, o Brasil é o que sai com melhor desempenho frente a outros como Índia, África do Sul e Rússia”, comenta Daniel Pontes, especialista da SWAP Câmbio e Capitais Internacionais. “A gente é, em tese, um país que vem gerando superávit e que fez a lição de casa no pós-pandemia elevando juros e controlando a inflação”.

O Banco Central brasileiro iniciou seu ciclo de alta dos juros antes da maioria das outras autoridades monetárias e hoje oferece um juros real considerável.

Nas últimas duas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), sendo a mais recente realizada na semana passada, a Selic ficou inalterada, em 13,75% ao ano. Nos Estados Unidos, maior economia do mundo, o Federal Reserve vem aumentando sua taxa básica de juros.

Na quarta, a autoridade monetária americana, após reunião do Comitê de Mercado Aberto (Fomc), decidiu por aumentar a fed funds em 0,75 ponto percentual, para o intervalo entre 3,75% e 4%. Além do mais, o presidente do Fed, Jerome Powell, trouxe um tom considerado duro pelo mercado em suas falas, indicando uma taxa terminal mais alta – ainda que os dados do Relatório de Emprego dos EUA divulgados na sexta tenham diminuído a percepção de risco de alta de juros.

Essa diferença entre ciclos da política monetária acaba também trazendo algum fluxo para os ativos de risco brasileiros. O esperado é que o BC comece um ciclo de baixa da Selic antes do que as demais autoridades monetárias, o que tende a beneficiar o mercado interno.

“Quando a gente compara o Brasil com a Europa e os EUA, vemos que o Brasil, apesar de ser um país emergente e muito grande, vem fazendo uma boa gestão da sua inflação”, acrescenta Pontes.

Na parte fiscal, a despeito dos “furos no teto”, o Brasil também vem apresentando um resultado parcialmente positivo. Em setembro, o setor público consolidado teve, por exemplo, um superávit de R$ 10,7 bilhões, com R$ 130,8 bilhões acumulados no ano.

Parte disso é explicado porque o país deve crescer neste ano, com o mercado prevendo que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça 2,76% neste ano, de acordo com o último Boletim Focus, e 0,64% em 2023 – isso enquanto a economia da maioria dos países recua.

“Como o capital sempre procura portos de segurança, a gente considera que o Brasil é, possivelmente, um desses. É um país com um grande potencial de crescimento, talvez apresente um crescimento de 3% esse ano. O mercado global enxerga, talvez, o Brasil como uma oportunidade”, diz o especialista da SWAP.

Como último fator, as commodities também são apresentadas como diferenciais para a performance da moeda brasileira frente ao dólar. Mesmo que os preços destas tenham caído recentemente, a maioria dos produtos não manufaturados continua sendo negociados acima das suas medias históricas.

A tonelada de minério de ferro, por exemplo, fechou nesta quinta negociada a US$ 87,65 no porto chinês de Dalian, abaixo do patamar visto há um ano atrás, quando chegou a ultrapassar os US$ 150. Contudo, o preço atual é semelhante àquele registrado antes da pandemia. O barril de petróleo Brent se afastou da máxima de cerca de US$ 130, mas nos US$ 95 de hoje ainda está muito acima da média histórica.

Tudo isso impulsiona a balança comercial brasileira, que também vem registrando superávits, tendo um saldo positivo de US$ 51,6 bilhões nos dez primeiros meses do ano.

Para o futuro, relação entre dólar e real vai depender de política econômica e Fed

José Raymundo de Faria Júnior, sócio da Wagner Investimentos, afirma que, apesar da alta recente do real, e de o mercado estar acenando a Lula, investidores continuarão monitorando os passos do presidente eleito do Brasil e que não há um “cheque em branco”.

“Ficamos na expectativa da equipe econômica do próximo governo. Lula vem falando que quer um nome político e isso não seria uma surpresa. Mas, não sendo um nome de mercado, teremos de ver quem irá integrar a equipe”, explica Faria Júnior. “Fazenda, Tesouro, Planejamento e BNDES são importantes. Se não forem nomes técnicos, é preciso ver a equipe”.

De qualquer forma, após a escolha, é possível, para o especialista, que o real volte a se fortalecer frente ao dólar, por conta, novamente, do recuo da incerteza política.

“Acho que é cedo para falar em quedas mais fortes. Temos, agora, um período de remessas e de pagamentos de dividendos, mas é mais fácil ficarmos próximos a R$ 5 do que de R$ 5,50”, explica. “Para cair de cinco de forma sustentada, porém, há uma série de fatores há serem cumpridos. Há espaço para isso, o estrangeiro gosta do Lula, mas há algumas condições a serem cumpridas, como equipe econômica e movimentações do Fed”.

No período do final do ano, empresas costumam anunciar dividendos. Além disso, a época é marcada pelo fato de as multinacionais enviarem capital para suas sedes. Ambos os movimentos acabam enfraquecendo o real no curto prazo quando o fluxo vai para o exterior e podem ser barreiras para recuos mais fortes do dólar.

Quanto ao Fed, o analista da Wagner Investimentos afirma que o Brasil está sujeito ao humor da autoridade monetária americana. Alta de juros mais fortes nos Estados Unidos costumam levar fluxo de capital para o país e pode pressionar uma recessão econômica mundial.

O Citi, em relatório, também afirma ver o dólar mais próximo a R$ 5. Além da menor incerteza política, o banco também acrescenta que o possível fim da política de Covid Zero, na China, pode sustentar preços mais altos para as commodities, o que beneficiaria o Brasil.


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