Gestão Municipal: Prefeitos podem passar por impeachment?

Após o impedimento de Dilma Rousseff, em 2016, pedidos de afastamento de gestores municipais começaram a surgir. Em PE, pelo menos quatro cidades têm processos em andamento. Fotos: Reprodução/JC

Após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), concretizado em 2016, mesmo ano em que se iniciou o atual mandato de prefeitos e vereadores, pedidos de afastamento de gestores municipais começaram a surgir em vários partes do País. Em Pernambuco, o cenário não foi diferente. Nos últimos anos, administradores de cidades como Camaragibe e Goiana, no Grande Recife, Palmares, na Mata Sul, e Belo Jardim, no Agreste do Estado, precisaram defender-se em processos que pediam a sua saída dos cargos pelos mais variados motivos.

De acordo com a Constituição brasileira, todos os membros do Poder Executivo estão sujeitos a sofrer processos de impeachment, que podem ser solicitados ao Legislativo por qualquer cidadão. A denúncia contra o gestor deve ser apresentada à Câmara dos Deputados (no caso do presidente e do vice-presidente da República), à Assembleia Legislativa (se for direcionado ao governador ou ao vice-governador) ou à Câmara Municipal (se o alvo for o prefeito ou o vice-prefeito) e conter provas de que o denunciado cometeu as irregularidades que embasam o pedido de afastamento.

Nos casos de queixas apresentadas contra administradores municipais, os vereadores decidem se as acatam ou não através de uma votação. Se a denúncia for aprovada, uma Comissão Especial é criada para verificar se houve, ou não, crime de responsabilidade. Caso a comissão ateste a irregularidade, o gestor terá a oportunidade de se defender e, após isso, é realizada a segunda votação da matéria, que precisa ser aprovada por 2/3 da
Casa.


Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Pernambuco (OAB-PE), Bruno Baptista, uma maior politização da população–provocada em muito por manifestações populares como as de 2013, por exemplo – pode ajudar a explicar o crescimento no número de pedidos de cassação de prefeitos no Brasil. “A meu ver, a população está cada vez mais intolerante com os chamados crimes de responsabilidade, com a má gestão dos recursos públicos e com a corrupção. E o impeachment é isso. A tramitação depende da Câmara dos Vereadores, mas ele pode ser provocado pela denúncia de qualquer cidadão, isso é o que vem contribuindo para esse aparente aumento dos pedidos de afastamento”, pontuou Baptista.

Mas se é tão fácil protocolar um processo de impeachment contra um prefeito, como evitar que um gestor impopular perca o mandato por questões meramente políticas? De acordo com a cientista política Priscila Lapa, professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), a fiscalização desses processos por parte do Ministério Público e pelo Poder Judiciário é fundamental para que distorções neste instrumento constitucional não acabem por banaliza-lo. “O impeachment é um instrumento político, seja no município ou na esfera federal. Nesse caso, a atuação do Ministério Público e do Judiciário é essencial para que esse viés político não seja a única variável determinante nos casos de pedidos de cassação de mandatos de prefeitos”, ressaltou a docente.

Para José Patriota, prefeito de Afogados da Ingazeira e presidente da Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), tanto a escolha dos representantes quanto a manutenção dos eleitos no cargo, são fatores que constituem o Estado como democrático. “Isso é um instrumento da democracia, de condição, de penalidade daqueles que cometeram irregularidades, ilegalidades e abusos. Isso a gente não tem nem que se acostumar e nem achar bom, mas ao mesmo tempo sinalizar para as instituições que tem limite para todos nós. Nas nossas atividades de qualquer categoria, na nossa função pública também, assim é um servidor público. Do mais simples ao mais graduado”.

Mesmo já em ano pré-eleitoral, nas Câmaras, as cassações dos prefeitos continuam em tramitação. Para o cientista político Vanuccio Pimentel, a discussão no próximo pleito pode ser afetada. “Se nacionalmente as coisas estavam bem, então o prefeito nacionalizava o debate municipal, para, vamos dizer assim, escapar um pouco dos perrengues que o município viveu”.
Contrato de lixo e comissionados

Na Região Metropolitana do Recife, duas Câmaras Municipais acataram, em 2019, denúncias contra os chefes do Executivo local: Goiana e Camaragibe. No primeiro caso, o prefeito Osvaldo Rabelo Filho (MDB) e seu vice, Eduardo Honório (MDB), foram acusados de cometer irregularidades na contratação da empresa que faz a coleta de lixo da cidade.
“O teor da denúncia do advogado Tarcízio Chaves, protocolada no dia 10 de julho, se prende ao rito contratual no processo de licitação feito com a Locar Saneamento Ambiental, responsável pela limpeza urbana de Goiana. Lá, ele mostra que os gestores desobedecem as leis referentes aos contratos de licitação”, afirmou o vereador Bruno Salsa (DEM), presidente da Comissão Processante.

Dois dias após o recebimento da denúncia, a Câmara de Goiana aceitou, por unanimidade, a abertura do processo de impeachment contra os administradores municipais. Na última sexta-feira (26), o prefeito Osvaldo Rabelo, afastado da prefeitura para tratar um problema de saúde, renovou por mais trinta dias sua licença médica. Ele ainda não foi notificado sobre o processo.

No mesmo dia, Eduardo Honório entregou à Câmara a sua defesa para as denúncias apresentadas ao Legislativo municipal. Entre os argumentos apresentados no documento, estão a afirmação de que a suposta infração cometida pelo prefeito em exercício não seria crime de responsabilidade (portanto não caberia à Câmara de Vereadores julgá-lo). Honório solicita, ainda, a suspeição do vereador Bruno Salsa, o qual é apontado no texto como “inimigo capital dos denunciados”.

Em Camaragibe, o prefeito Demóstenes Meira (PTB) – preso no mês de junho pela Polícia Civil suspeito de envolvimento nas práticas de organização criminosa, fraude em licitação, corrupção e lavagem de dinheiro – chegou a responder por suposto ato de improbidade administrativa ao exigir que cargos comissionados comparecessem ao show da sua noiva, a então secretária municipal, Taty Dantas, no Carnaval.

No dia 22 de maio, porém, apenas um dia antes da votação da cassação do prefeito, a juíza Anna Regina L. R de Barros, da 2ª Vara Cível da Comarca de Camaragibe, determinou a suspensão do processo atendendo a um pedido da defesa do petebista. O presidente da Câmara de Camaragibe, vereador Toninho Rodrigues (PTB), que havia prometido recorrer da decisão, foi procurado pela reportagem diversas vezes na última semana para informar se o processo ainda poderia ser retomado, mas não retornou às tentativas de contato.

Depois da prisão de Meira, a vice-prefeita Nadegi Queiroz (DC) assumiu a gestão da cidade e realizou uma série de mudanças administrativas, entre elas a demissão de quase 500 cargos comissionados.

Segunda tentativa de afastamento

Nos municípios de Palmares, na Mata Sul, e Belo Jardim, no Agreste, vereadores tentam pela segunda vez consecutiva instaurar a comissão de impeachment contra o chefe do executivo. Outro ponto em comum nos acontecimentos políticos das cidades é que nas duas também estão ocorrendo discussões sobre Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI).

Em Palmares, a CPI dos esportes apurou supostas fraudes e irregularidades em convênios e contratos celebrados com a liga desportiva. De acordo com a relatora da comissão, vereadora Ray do Quilombo (PSL), o resultado da apuração da investigação foi encaminhado para o Tribunal de Contas do Estado (TCE). “Também foi solicitado no relatório o pedido de abertura de cassação do prefeito e a solicitação do encaminhamento do relatório e das provas que é o processo do relatório”, explica.


Procurada, a Prefeitura de Palmares comentou o assunto por meio de nota. “Todos os atos do Prefeito Municipal de Palmares sempre foram pautados na legalidade, não podendo, de maneira indevida, imputar ao mesmo supostos fatos inexistentes e que, mesmo que existissem, não seriam de responsabilidade do mesmo”, diz um trecho.

Esta não é a primeira CPI enfrentada pelo prefeito Altair Júnior (MDB). Neste ano, após a conclusão da Comissão que apurou supostas irregularidades cometidas pelo gestor no repasse de pagamentos de empréstimos consignados, o prefeito chegou a ser afastado por 90 dias a pedido da Câmara de Vereadores. Na época, o relator da CPI e autor da proposição de cassação do mandato do prefeito, havia sido o vereador Luciano Júnior (PV).

“Quando fiz o pedido de afastamento temporário, eu fiz também o pedido de cassação dele. Aí foi sorteado uma comissão processante, começaram os trabalhos, mas sob liminar ele conseguiu suspender os trabalhos e voltou ao cargo”, explica Luciano sobre o cancelamento da primeira comissão de cassação.

Após o recesso legislativo, os parlamentares votam novamente o pedido de cassação do prefeito e, caso a oposição consiga alavancar os dez votos necessários, uma nova comissão de impeachment é instalada no município.

No Agreste, Belo Jardim também está caminhando para sua segunda CPI, que também pode resultar em uma outra comissão de impeachment. No ano passado, vereadores já instalaram uma CPI para investigar supostos funcionários fantasmas. Em abril de 2018, o processo de impeachment do prefeito Hélio dos Terrenos (PTB) foi anulado pela Câmara sob alegação de desrespeito ao trâmite do processo na Casa Legislativa. “Nós pedimos a CPI, mas ainda não foi instalado porque a presidência fez uma interpretação do regimento interno de que eu sendo autor do pedido de CPI – que está endossado por cinco vereadores – não poderia ser membro da comissão, e nós discordamos. Por isso, está em análise essa questão”, explica o vereador Nilton Senhorinho (PSB). De acordo com ele, os resultados da atual investigação da CPI que quer apurar o uso dos recursos do Fundeb, “podem servir tanto para o impeachment quanto ao Ministério Público com informações já detalhadas”.

A prefeitura de Belo Jardim foi procurada, mas não se posicionou.

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